quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O Observatório de Mont-Mégantic quase fechou. E não foi por causa da poluição luminosa!


Na quarta-feira, 11 de fevereiro, foi noticiado que o Observatório de Mont-Mégantic (OMM, Quebec, Canadá) iria encerrar as operações em abril. O motivo era a falta de recursos financeiros, uma vez que, dentro da política econômica de contenção de gastos do governo canadense, o orçamento havia sido cortado em 500 mil dólares.

Porém, em poucas horas a situação se reverteu! Quando as notícias do fechamento começaram  a ser divulgadas e as reações nas redes sociais surgiram (por exemplo, através da hasthag #sauvonsOMM - salvar OMM), o governo canadense voltou atrás e se comprometeu a completar o orçamento para as operações do OMM por pelo menos mais dois anos.

A situação é de particular interesse para os brasileiros por conta de duas peculiaridades: a primeira é que o telescópio do OMM é um Perkin-Elmer com espelho primário de 1.60 m de diâmetro, idêntico ao que o Observatório do Pico dos Dias possui (o maior em território brasileiro). Compare nas imagens abaixo. O OMM opera desde 1978 e, o OPD, desde 1980.


Esquerda: Telescópio Perkin-Elmer com espelho primário de 1.60 m de diâmetro do Observatório de Mont-Mégantic, Canada. Crédito: Sébastien Giguère/ASTROLab/Mont-Mégantic National Park. Direita: o telescópio idêntico no Observatório do Pico dos Dias. Crédito: LNA.


O outro ponto a ser destacado é que, apesar de estar a apenas 250 km de uma grande cidade como Quebec e a 1100 metros de altitude (o OPD está a 1864 m), o OMM está em um sítio pouco contaminado pela poluição luminosa. Inclusive fica em uma reserva de 5500 km2 certificada pela Associação Internacional dos Céus Escuros, a IDA. Este não é o caso do OPD, cuja qualidade do céu vem sendo comprometida de maneira crescente pelo aumento descontrolado da iluminação irracional nos seus arredores.

O trabalho realizado na região do OMM é uma referência internacional de combate à poluição luminosa e preservação do céu estrelado, cujos detalhes podem ser encontrados em uma página própria. Uma série de documentos técnicos com recomendações para boas práticas de iluminação está disponível (em francês, mas o Google tradutor ajuda...).



Captura de tela da página web sobre a reserva de céus escuros do Mont-Mégantic, onde podem ser encontradas informações sobre o local, acerca do problema da poluição luminosa e uma série de documentos com orientações para assegurar céus escuros.


 Deste episódio podemos tirar algumas lições. A primeira é que a sociedade precisa se mobilizar pelos seus interesses. Se a ciência não está na ordem do dia, é responsabilidade dos cientistas, divulgadores e jornalistas da área se empenharem para trazer à tona os assuntos relacionados. Não apenas o Canadá, mas praticamente todos os países passam por um período de contenção de despesas (é o caso do Brasil). Neste contexto, a astronomia também atravessa um momento peculiar: visando conseguir recursos financeiros para os novos projetos de telescópios extremamente grandes em sítios de excelência, observatórios menores estão sendo fechados, ainda que sejam produtivos do ponto científico. Tendo o objetivo de evitar o fechamento dessas infraestruturas de pesquisa, é preciso que a sociedade colabore demonstrando claramente quais ela acredita que devem ser as prioridades de investimento de país. E ciência é a base para uma população mais educada, saudável e com oportunidades de crescimento econômico e pessoal.

Além disso o OPD, ao contrário seu gêmeo canadense, não possui nenhum controle da poluição luminosa nos seus arredores, seja através de legislações e/ou regulamentações ou de ações sistemáticas de conscientização popular e para os administradores públicos. Ou seja, ainda que uma parcela significativa da comunidade astronômica deseje a continuidade das operações, chegará um momento em que a questão ambiental as inviabilizará. A menos que providências incisivas sejam tomadas o mais rápido possível.


No topo: Observatório de Mont-Mégantic, Canadá. Crédito: Guillaume Poulin/Parc national du Mont-Mégantic. Abaixo: Prédio do telescópio gêmeo no Observatório do Pico dos Dias, Brasil. Crédito: Tânia Dominici.

Assim como o OPD, o OMM tem um papel fundamental na astronomia canadense, pois proporciona o treinamento avançado de estudantes em observações astronômicas, e funciona como um laboratório de desenvolvimento instrumental para observatórios maiores, como o CFHT. Tudo isso sem deixar de realizar pesquisas científicas de vanguarda, como a descoberta feita no ano passado de um planeta com cerca de dez vezes a massa de Júpiter, orbitando uma estrela jovem.


"Reserva de céu estrelado do Mont-Mégantic - Um patrimônio coletivo a ser protegido". Cartaz de conscientização popular produzido pela reserva.



Para saber mais:

A reviravolta:

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Poluição luminosa afeta a saúde humana comprometendo a produção de melatonina


Sempre falamos que a poluição luminosa afeta a vida de várias espécies animais e vegetais, incluindo a nossa, por comprometer o ciclo circadiano. O que isso significa exatamente?

O ciclo circadiano é o ciclo biológico que ocorre na maioria dos seres vivos em um intervalo de 24 horas. Ele é influenciado principalmente pela variação de luz e temperatura entre o dia e a noite. O controle do nosso sono e do apetite, por exemplo, é afetado pela disfunção do ciclo circadiano. Isto ocorre através do comprometimento da produção de substâncias importantes para a manutenção do corpo, como o hormônio melatonina que é produzido durante o sono e em ambientes escuros.

A poluição luminosa causada pela luz do ambiente exterior que adentra o quarto durante a noite (chamada de luz intrusa), as lâmpadas que emitem luz muito branca no interior das casas e o hábito crescente de utilizar computadores, smarthphones e tablets até altas horas da noite, vêm desequilibrando a produção de melatonina nas pessoas.

Em janeiro, a Agência FAPESP divulgou alguns resultados recentes obtidos pelo Professor Dr. José Cipolla Neto (ICB/USP) e seus colaboradores, através de financiamento oferecido pela agência paulista. Estes resultados indicam que a falta de melatonina pode causar obesidade e diabetes pois, muito além de regular o sono, este hormônio controla a ingestão alimentar, o gasto de energia e seu acúmulo no tecido adiposo, a síntese e a ação da insulina nas células.

A melatonina também é um importante agente anti-hipertensivo, regula a resposta do organismo à atividade física aeróbica e participa da formação de neurônios durante o desenvolvimento fetal e pós-natal.

A resposta do professor da USP, quando perguntado a respeito de quais fatores podem prejudicar a produção de melatonina, cita explicitamente a poluição luminosa:

"Cipolla Neto – A principal causa de queda na produção noturna de melatonina é a fotoestimulação. A maioria das pessoas começa a produzir esse hormônio por volta de 20 horas. Quando o indivíduo se expõe à luz durante a noite, seja vendo TV ou mexendo no smartphone ou no computador, a síntese de melatonina que deveria estar ocorrendo nesse período é bloqueada. Esse pode ser um dos fatores por trás da epidemia de obesidade da sociedade contemporânea. Também há fatores relacionados com intervenções médicas. Várias drogas usadas na clínica alteram a produção de melatonina, como os betabloqueadores, os bloqueadores de canal de cálcio e os inibidores da enzima conversora de angiotensina (as três drogas são usadas contra hipertensão). Indiscutivelmente, os mais poderosos são a poluição luminosa noturna e o trabalho no turno da noite."

O Dr. Cipolla Neto informa que, em cerca de 75% das pessoas, a produção de melatonina se inicia por volta das 20 h. Ou seja, a partir deste horário deveríamos começar a minimizar a exposição à iluminação artificial a fim de não comprometer o ritmo natural do corpo. A Agência Fapesp também questiona como podemos tornar a rotina menos danosa para quem precisa trabalhar até tarde e/ou acordar muito cedo, ao que o pesquisador responde:

"Cipolla Neto – Uma das coisas que têm sido sugeridas é eliminar o comprimento de onda da luz azul, de 480 nanômetros, que controla a ritmicidade circadiana e a produção de melatonina. As empresas de iluminação já estão trabalhando nesse tema. Estudos mostraram que, se o ambiente noturno estiver com baixas intensidade de luz azul, o indivíduo pode permanecer trabalhando sem ter a ritmicidade circadiana e a produção de melatonina afetadas significativamente. Mas esse é justamente o comprimento de onda emitido pelo LED de luz azul presente em computadores, televisores e smartphones. Há empresas que vendem películas para colocar na tela e filtrar a luz azul. É uma forma de lidar com o problema."

Vários estudos têm comprovado que a exposição à luz artificial durante a noite aumenta os riscos de câncer, em particular o de mama e o de próstata, dois tipos que são ligados às disfunções na produção hormonal (veja, por exemplo, a revisão de Angela Spivey, Light Pollution: Light at Night and Breast Cancer Risk Worldwide).

Uma ferramenta interessante para quem precisa ficar conectado até mais tarde é o programa f.lux, disponível para os sistemas operacionais Windows, OS e iOS (iPhone e iPad). Ele faz com que a cor da tela do seu dispositivo se adapte ao horário do dia: mais quente (amarelado) quando anoitece e reproduzindo a luz solar durante o dia.

Veja a matéria completa da Agência FAPESP sobre o aumento de risco de obesidade e diabetes associado à baixa produção de melatonina e as recomendações da Dra. Mariana Figueiro (RPI/USA), autora de estudos pioneiros sobre a influência dos dispositivos eletrônicos no sono, para que a luz seja utilizada de modo a ajudar a nossa saúde.

Seguem as referências dos artigos publicados pelo grupo do ICB/USP sobre o assunto:






Como dormir bem com tanta luz? Exemplo de luz intrusa. Imagem de Ian Cheney.

Página de notícias sobre Poluição Luminosa (PL), mantida pela astrofísica Tânia Dominici.

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