domingo, 7 de abril de 2019

Museu do Cárcere: um exemplo do uso desnecessário de iluminação decorativa #IDSW2019



Hoje, dia 7 de abril, é o último dia da Semana Internacional dos Céus Escuros 2019, cujas postagens nas redes sociais estão identificadas pela hashtag #IDSW2019. Escrevi um pouco sobre a origem da semana neste post do ano passado.

Deixei minha colaboração para o último dia sobretudo devido à relutância sobre escrever ou não acerca de um post no Facebook que causou-me extrema tristeza: a nova iluminação exterior do Museu do Cárcere, integrante e sede do Ecomuseu Ilha Grande, instalado na Vila Dois Rios (Ilha Grande, RJ). Como não tive retorno com meu comentário lá, concluí que seria válido registrar aqui.

A Ilha Grande é um santuário natural, mantido relativamente bem preservado ao longo da história devido ao seu uso como ponto estratégico, por exemplo, na chegada de embarcações ao Brasil e para o isolamento carcerário. Quase todo o território possui algum tipo de proteção legal através de suas quatro unidades de conservação ambiental (Parque Estadual da Ilha Grande, Marinho do Aventureiro, Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul e Área de Proteção Ambiental de Tamoios). Em particular, o arquipélago de Ilha Grande está incluído na área da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, reconhecida pela UNESCO. As atividades predominantes na Ilha são o turismo, a pesca e o uso para pesquisas científicas na área ambiental.

É na Vila Dois Rios que ficava o presídio pelo qual a Ilha era conhecida até a década de 1990 e que deu origem ao Museu do Cárcere após sua desativação e demolição parcial. Hoje a área pertence à Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), que mantém ali o Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (CEADS), além do Ecomuseu.

A Vila só pode ser acessada a pé, após cerca de três horas de caminhada (aproximadamente 9 km). O único veículo que ali transita é o ônibus da UERJ, que transporta - exclusivamente e em horários pré-estabelecidos -, os moradores, servidores e estudantes da universidade a partir e para a Vila do Abraão, principal bairro de Ilha Grande. Cerca de 150 pessoas vivem na Vila Dois Rios, entre pescadores e servidores da UERJ.

Em 2015, fui convidada pelos colegas do CEADS para conhecer o local e ajudar a pensar ações para proteger a região da poluição luminosa e de todos os seus bem conhecidos impactos ambientais. Foi uma experiência fascinante que, apesar das dificuldades enfrentadas para estabelecer colaborações a longo prazo e obter recursos financeiros, resultou em uma série de oportunidades. Graças ao contato que estabeleci com a então arte-educadora do Ecomuseu, Angélica Liaño, escrevi dois artigos para o jornal local O Eco, que podem ser acessados aqui e aqui. Também obtive informações que foram fundamentais para um artigo científico.


Imagine então a minha tristeza ao encontrar recentemente no Facebook o post reproduzido abaixo...


 Além de continuar iluminado de baixo para cima, agora ainda há variação de cores... para uma Vila de cerca de 150 moradores em área de proteção ambiental. Captura de tela de post do Facebook do Ecomuseu Ilha Grande


Os moradores da Vila gostaram, acharam bonito? Não duvido. Mas eles sabem que estão afetando a vida natural da região? Foram informados de que a iluminação decorativa atrai insetos e outros animais comprometendo diversos ciclos biológicos? Sabem que o aumento de iluminação artificial abala o ciclo circadiano inclusive dos humanos? É isso que os moradores desejam? Faz sentido um local onde está instalado um centro de estudos sobre desenvolvimento sustentável interferir no meio ambiente desta maneira?

Entre proteger a vida na Vila e olhar um prédio colorido à noite, qual seria a escolha dos moradores e pesquisadores em missão científica?

Qual o limite para um Ecomuseu alterar o território do qual ele é constituído?

Os pesquisadores do CEADS foram consultados em relação a criação de possíveis vieses em suas pesquisas, especialmente para aqueles que trabalham com animais como morcegos, insetos e sapos?


Em um dos textos para O Eco (Poluição Luminosa e a Ilha Grande) está a imagem abaixo, que mostra a então iluminação de fachada do Museu do Cárcere. Na época, a minha recomendação era de iluminar de cima para baixo se a iluminação fosse realmente indispensável. Caso contrário, deveria iluminar penas a calçada por onde as pessoas transitam. Qualquer ponto de iluminação deve ser pensado seguindo critérios como: é necessário? Qual a área a ser iluminada? Qual o rendimento de cor necessário para essa área? Em que momentos/horários a iluminação precisa ser acionada? A resposta a questões como essas determinam o tipo de luminária, o tipo de lâmpada e a operação do ponto de iluminação. Se ele for necessário...


Refletor utilizado para iluminação da fachada do Museu do Cárcere em 2015. Luminárias como esta devem sempre ser utilizadas de baixo para cima.


Sou uma astrofísica que trabalha em um Museu. Assim, também questiono de que modo a iluminação colorida do Museu do Cárcere colabora para o atendimento da função daquela instituição enquanto museu. Em particular, entendo que o Ecomuseu deveria colaborar para a conservação do patrimônio natural do seu território. Espero que os colegas do Museu do Cárcere e do Ecomuseu Ilha Grande levem em consideração os pontos aqui colocados e revertam a decisão de utilizar luz artificial meramente decorativa em uma área de proteção natural. Estou à disposição para ajudar no que for possível.


Aproveitando o post, coloco abaixo algumas imagens feitas em 2015 em Dois Rios mostrando os problemas da iluminação artificial instalada nos arredores. Espero sempre poder colaborar com a UERJ no desafio de proteger e estudar um local tão repleto de história e riquezas naturais como é a Vila Dois Rios!


O brilho alaranjado é a iluminação mal instalada da Vila do Abraão vista da Praia de Dois Rios. A luz é desnecessariamente direcionada para o céu.



Nesta fotografia, feita a partir da Praia de Dois Rios, é possível o avaliar a iluminação do CEADS (à esquerda) que além de direcionar a luz para cima pelo uso de luminárias tipo globo, é excessivamente branca pela aplicação predominante de lâmpadas de mercúrio de baixa pressão. À direita do CEADS, o brilho alaranjado proveniente da Vila Dois Rios.



A constelação de Órion fotografada nos arredores do CEADS. O verde das árvores foi realçado com light painting por cerca de três segundos, utilizando uma lanterna de mão absolutamente inofensiva para o meio ambiente.


As minhas fotos definitivamente não refletem a beleza da praia e Vila Dois Rios. Felizmente, Tunc Tenzel, produziu a bela imagem abaixo!


O céu da praia de Dois Rios, fotografado por Tunc Tezel. Veja também a imagem na sua página original. Outras fotos de Tunc Tezel e Babak A. Tafreshi na Ilha Grande podem ser vistas aqui.





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